Por Jaqueline Sordi
Dezembro, 2023 - “Para emagrecer, basta comer menos, se mexer mais e, claro, ter força de vontade.” Quando o assunto é obesidade, “dicas” como essas desinformam e colaboram para reforçar estigmas, contribuindo para o crescimento de uma epidemia global que, até 2035, pode alcançar 24% da população mundial, ou cerca de 2 bilhões de pessoas, segundo o mais recente Atlas Mundial da Obesidade (página 10), de 2023, publicado pela Federação Mundial de Obesidade (World Obesity, em inglês).
Reconhecida como uma doença desde 2006 pelo Ministério da Saúde nos Cadernos de Atenção Básica, a obesidade não é resultado da falta de força de vontade para perder peso, mas de uma condição médica crônica, complexa e multifatorial, que pode levar a diversos problemas de saúde como diabetes tipo 2, hipertensão e infarto.
Segundo estimativa do Atlas para o Brasil (página 60), 41% da população adulta terá obesidade em 2035. A taxa projetada de crescimento da enfermidade para brasileiros nesse estrato da população é de 2,8% ao ano. O índice quase dobra em crianças: 4,4%, patamar considerado muito alto pela World Obesity.
Fake news atrasa busca por ajuda médica
O que os números do Atlas não mostram é a relação entre as doenças mais comuns e suas complicações com a desinformação. Um dos estudos mais citados sobre o tema, publicado na revista The New England Journal of Medicine, indicou que o aumento da obesidade está acompanhado de uma crescente epidemia de desinformação em todo o mundo. Essa onda de fake news promove recomendações equivocadas ao mesmo tempo em que desvia a atenção de evidências que podem salvar vidas.
Pesquisa da Organização Mundial da Saúde (OMS) publicada em 2022 confirma o risco das fake news, que afetam de forma negativa os comportamentos de saúde das pessoas e levam à demora para busca de cuidados médicos. Nesta reportagem, a Lupa lista seis mitos frequentes quando o assunto é obesidade e explica como não embarcar neles. Confira:
“A obesidade é um problema estético e não tem impacto na saúde”
Apesar de bastante difundida, a ideia de que é possível ter obesidade e ser saudável já foi desmistificada por especialistas. A correlação entre excesso de peso e complicações de saúde é comprovada por estudos científicos.
Em uma das investigações mais amplas sobre o assunto, publicada em 2020 na revista Obesity Science and Practice, pesquisadores rastrearam dados de quase 3 milhões de adultos do Reino Unido por 11 anos. Ao final do período, identificaram que a obesidade estava associada a uma probabilidade maior de desenvolvimento de doenças cardíacas, transtornos psiquiátricos, AVC (acidente vascular cerebral), apneia do sono e alguns tipos de câncer, entre outros.
O estudo ainda apontou que os pacientes com o grau 1 de obesidade, o mais baixo, apresentaram um risco cinco vezes maior de desenvolver diabetes tipo 2 na comparação com pessoas de peso saudável. No caso do grau 2, o perigo saltou para 12 vezes a mais.
“A obesidade é sempre um determinante de problemas de saúde a depender da intensidade e do tempo da doença. Muitas pessoas se queixam do aspecto estético, mas a qualidade de vida e a longevidade certamente são mais importantes, e ambas podem estar comprometidas nessas pessoas”, afirma o endocrinologista Bruno Geloneze, pesquisador da Unicamp e membro da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso).
“A obesidade é uma escolha, um estilo de vida, e não uma doença”
O excesso de gordura corporal era considerado há pouco mais de dez anos apenas um fator de risco para outras doenças. No entanto, características dessa condição levaram algumas das organizações médicas mais influentes do mundo, como a Organização Mundial da Saúde e a Associação Médica Americana, a reconhecerem a obesidade como uma doença crônica multifatorial, que necessita de tratamento específico e de longo prazo.
Definida como um depósito de excesso de gordura que prejudica a saúde, a obesidade pode gerar incapacidades físicas e demandar cuidados para toda a vida. Isso porque são várias as formas em que a enfermidade atua prejudicialmente no organismo.
No caso de doenças cardíacas, por exemplo, a gordura em excesso que se forma dentro das artérias de pessoas com obesidade pode prejudicar o fluxo sanguíneo, aumentando a pressão e contribuindo para um maior risco de infarto. Quanto maior é o sobrepeso, maior é o esforço do coração para conseguir bombear o sangue
Do mesmo modo, segundo estudo publicado na Revista Ciência e Saúde, o excesso de peso gera uma inflamação crônica no corpo e um aumento na produção de insulina, que acelera o metabolismo e a duplicação celular. Como consequência, é possível o surgimento de tumores.
“Para combater a obesidade, basta comer menos e fazer mais exercícios”
Por ser uma doença crônica e multifatorial, as formas de combater a obesidade são complexas e não se limitam à quantidade de calorias ingeridas e gastas por quem tem a enfermidade. “O tratamento baseia-se na alimentação e em exercícios físicos, mas há mais fatores que precisam ser acrescentados nesse cálculo”, alerta o médico e nutrólogo Leandro Figueredo, da Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN).
O endocrinologista Bruno Geloneze concorda e explica que qualquer pessoa que busque emagrecer 10% de seu peso, por exemplo, terá dificuldades para manter essa perda e, por isso, são necessários outros tipos de intervenções.
“Diante de uma perda de peso, o organismo aumentará a produção de hormônios que elevam o apetite (grelina, por exemplo) e reduzirá aqueles que dão saciedade (GLP-1 e leptina, por exemplo). Além disso, há redução no gasto de energia. Sendo assim, existe uma forte tendência a retornar ao peso original, especialmente em pessoas que têm obesidade”, informa Geloneze.
Segundo os especialistas, o tratamento deve ser sempre individualizado e multidisciplinar. Ele pode incluir, por exemplo, o uso de medicamentos, tratamento psicológico e até mesmo intervenções cirúrgicas.
“Chás e cápsulas de produtos naturais combatem a obesidade”
De acordo com o médico nutrólogo Leandro Figueiredo, não há evidências científicas de que o consumo isolado de chás ou de quaisquer outros produtos naturais tratem uma condição tão complexa como a obesidade.
“Se isso fosse verdade, dificilmente teríamos tanta dificuldade na condução do tratamento. O combate à obesidade necessita de longos períodos de acompanhamento com equipe multiprofissional (médico, nutricionista, educador físico, psicólogo)”, destaca Figueiredo. Os números crescentes da doença em todo o mundo confirmam as dificuldades enfrentadas por quem busca deixar o excesso de peso para trás.
A ideia de que chás ou cápsulas naturais poderiam ajudar a tratar obesidade é derivada de estudos que comprovam a ação de algumas substâncias presentes em plantas na redução da gordura corporal. No entanto, a ciência já demonstrou que essas substâncias sozinhas não são determinantes no processo de perda de peso.
“O IMC (Índice de Massa Corporal) é o único indicativo da obesidade”
O Índice de Massa Corporal (IMC) – calculado a partir da divisão do peso de uma pessoa (em quilogramas) por sua altura ao quadrado (em metros) – é uma ferramenta amplamente utilizada para medir e identificar a prevalência da obesidade em todo o mundo. Mas especialistas e a Associação Médica Americana (AMA) alertam que a complexidade da doença não pode ser definida simplesmente pelo resultado dessa conta.
De acordo com o endocrinologista Bruno Geloneze, existem outros índices que permitem uma avaliação mais ampla dos problemas de saúde mediante o aumento da gordura corporal. “Se quisermos um diagnóstico preciso, temos que estimar a massa corporal, a distribuição da gordura pelo organismo e a composição corporal”, explica.
Calcular o IMC é um importante ponto de partida. Permite rastreio rápido e fácil, podendo ser feito até mesmo em casa. Adultos com IMC superior a 30kg/m² já são considerados pessoas com obesidade, sendo a medida padrão utilizada pela OMS.
Índices mais elevados são classificados como obesidade grave, incluindo o grau 2 (≥35 kg/m²) e o grau 3 (≥40 kg/m²). Para crianças e adolescentes, são utilizados diferentes pontos de corte, dependendo da idade e do sexo.
“A obesidade não tem nada a ver com genética”
Por ser uma doença multifatorial, a genética pode ter uma influência significativa na incidência da obesidade. É sabido hoje que existem centenas de genes com capacidade de influenciar o metabolismo de uma pessoa e aumentar a probabilidade de ela vir a
desenvolver a doença – desde aqueles que regulam a sensação de saciedade até outros que atuam no armazenamento de gordura.
Estudos em gêmeos mostram que 40% a 70% da variabilidade de peso é herdada e que mais de 200 variações genéticas influenciam o peso de uma pessoa. A maioria desses genes, incluindo aqueles com variantes que causam obesidade de início precoce, são expressos no cérebro e envolvem a regulação do apetite.
Não por acaso, especialistas já buscam levantar o histórico genético dos pacientes, especialmente os que desenvolvem graus mais elevados de obesidade, para avançar em novas possibilidades de tratamento.
Nota da redação: este conteúdo é uma parceria da Lupa com a empresa global de saúde Novo Nordisk e tem como objetivo dar visibilidade a informações corretas sobre obesidade e diabetes.
Edição: Adriana Ferraz e Leandro Becker